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Mojana Vargas e o contexto africano no Sistema Internacional

O aporte teórico e analítico apresentado pela professora Mojana Vargas em sua palestra “O lugar de África nas Relações Internacionais” é único e impressionante em todas as suas formas. Pois, já no início da discussão, Vargas questiona Thomas Hobbes e John Locke em suas obras e conceitos sobre o estado de natureza e ordem, respectivamente.


Mojana segue a discussão analisando a forma como raça e racismo pouco são analisados por seus principais autores e correntes teóricas - Idealismo e Realismo - e explica como estes autores observaram África, Américas e Ásia tal qual os povos que ali habitavam. Segundo Vargas, tanto John Locke como Thomas Hobbes afirmavam que - até o momento em que suas obras foram escritas - o Estado de Natureza nunca existiu na Europa. Contudo, este era presente em seus territórios colonizados. Naquele contexto já se podia verificar como o conceito de superioridade racial frente a outros povos ‘inferiores’ era presente e reforçado por alguns intelectuais, de forma a justificar o imperialismo das potências europeias a povos que elas não compreendiam.

Outro ponto de grande importância a se elencar é a análise de Mojana acerca de como alguns teóricos europeus verificaram, no Sistema Internacional, a existência de povos superiores e inferiores, bem como a necessidade e o direito de povos mais avançados - neste caso os europeus e ocidentais - de subjugar e corrigir estes povos. A fim de impedir que sua barbárie, anarquia e selvageria pudessem poluir o sistema normalizado ocidental. Vargas elenca, ainda, que com base na explicação de Jules Harmand em sua obra Domination et Colonisation (1910), este direito de intervir nestes povos não estaria pautado na força, mas sobretudo na superioridade moral.

Em seguida, Mojana denota, com base na obra de Morgenthau, que o mesmo identificava a África como um vazio de poder. O que por sua vez seria uma ‘oficina’ para a criação de conflitos. Essa análise morgentariana seria, como verifica Vargas, outro indicativo para justificar a necessidade manter as intervenções estrangeiras na região - desde que fossem feitas pelo Ocidente - a fim de evitar que aquele problema se transferisse para além do continente africano. Contudo, Morgenthau esquece, ou deliberadamente decide silenciar o fato de que estes conflitos em solo africano nada mais foram que reproduções do colonialismo e guerras que estas potências europeias trouxeram ao continente africano.

Outra questão importante se dá na entrada teorias marxistas e críticas, com forte caráter de oposição à normatividade binária e simplista do Realismo e Idealismo, que, mesmo após grandes debates, ‘esqueceram’ os demais atores e players do Sistema Internacional. Uma vez que seu escopo analista se baseava na atuação das grandes potências europeias, Estados Unidos e em um contexto mais atual, até mesmo a China em sua expansão econômica. A teoria crítica, bem como a marxista, são as primeiras a identificar que o continente africano era tido como uma periferia do capitalismo ocidental.

Deste modo, enquanto para as teorias positivistas a situação do continente africano era daquele modo simplesmente porque era como o cenário internacional ditava. Para as teorias pós-positivistas a dinâmica por trás desse fator se dava por uma construção histórica envolvendo os atores envolvidos naquele contexto. Contudo, ambas as correntes, há o entendimento de que a África não sairá da situação em que está.

Porém, enquanto se verifica uma conformidade dos positivistas, para os críticos e marxistas há a concordância de que o continente precisa ser retirado dessa situação. Ainda assim, o forte caráter ‘salvacionista’ dos marxistas, como elenca Mojana, sob o entendimento de que nações mais avançadas deveriam ‘salvar’ o continente dessa situação, indica que essas correntes também verificam a África como um continente que necessita ser resgatado por Estados melhor equipados intelectual, econômica e tecnologicamente. Algo que foi duramente criticado por teóricos africanistas contemporâneos do campo das R.I.

Em suas considerações finais, Mojana explica, também, a atuação importante do construtivismo como corrente teórica. Sobretudo por seu caráter mais abrangente na discussão sociológica acerca de cultura e política. Além da solidariedade anticolonial. O que seria a importância analítica de correntes pan-africanas. Contudo, a autora elenca também o problema do construtivismo de privilegiar discussões vindas dos centros de poder para tratar das ‘periferias’ do sistema. Segundo Vargas explica, através das críticas de Marzul apud Tieko (2013), não há, por parte da corrente construtivista uma valorização e difusão de estudos vindos do continente africano nem a difusão de estudos sobre o entendimento da ‘periferia’ acerca dos centros de poder. O que, em outras palavras, segue identificando a África como um espaço incapaz de difundir seus entendimentos sobre o sistema internacional, algo que continua sendo papel do Ocidente.

Assista à palestra da professora Mojana:

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