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Cynthia Enloe e a análise da masculinidade tóxica no contexto internacional

A capacidade analítica da professora e teórica feminista Cynthia Enloe é, em todos os sentidos, única. Em sua palestra “Masculinities and populist nationalist appeals during the global pandemic” a autora traz a importante dúvida acerca de quem é a mulher, sobretudo em um contexto internacional predominantemente patriarcal e ‘Realista’. Ela questiona, ainda, “onde estão as mulheres?” e elenca que é imprescindível entender não estão todas no mesmo lugar, pois são diversas, seja por raça, nacionalidade, sexualidade e etc. Em contraponto, ao se questionar onde estão os homens, fica óbvio verificar que estão sempre nas polícias, quartéis, campos de banana (Enloe, 2014).

Participante do BBB21 Arthur durante o jogo da discórdia

Cynthia elabora para discussão o mecanismo simples de verificar, na própria família, como é ser um garoto. O que torna o menino um ‘homem’ de verdade na sociedade. Em muitas famílias, para que isso ocorra o menino tem que, desde cedo, gostar de jogar bola, verificar mulheres bonitas na rua e, em outros casos assobiar ou objetificá-la como “gostosa”, “bonita”, “gata” entre outros.

Por outro lado, quando se faz a mesma análise para o que é ser mulher ou feminina, a construção automaticamente se altera. Para essas famílias, ser mulher significa não portar-se como um homem. Enloe explica que, em sua própria dinâmica, sua mãe a proibia de permanecer com as mãos nos bolsos pois era uma coisa de ‘homem’. Então, em muitos desses casos é reproduzido as mulheres o papel de, desde cedo, aprenderem a cuidar da casa, cozinhar e jamais se trajar como um homem.

Em uma análise de como esses papéis se dão, se analisado o desenho ‘Doug’ de 1991, se verifica que, em um dos episódios, há essa dinâmica. Doug, um dia vê como sua mãe desempenha bem o papel de “dona de casa” e decide que quer se tornar um “dono de casa”. Seu pai, preocupado com os anseios do filho e mais preocupado ainda com o que a sociedade diria, decide expor a criança a coisas de ‘homem’, o levando para pescar, consertar carros e etc. Verificando que o filho não gostou de nenhuma delas. Ele decide sobrecarregar Doug em suas tarefas domésticas. O que leva Doug a desistir do sonho de ser como a mãe e buscar algo mais ‘masculino’ para fazer, algo que seu pai faria.

É evidente que, desde eras mais antigas, ou vitorianas (Weber, 2016) até os dias atuais, a forte presença do homem no cenário internacional e sua constante visão como protetor de sua propriedade - mulheres - e ainda de sua própria masculinidade como um todo.

Enloe explica a dinâmica por trás de homens usando, ou não, suas máscaras. Para ela, há dois grupos. O primeiro é de homens que utilizam a máscara para trazer para si uma superioridade e intelecto maior, uma vez que desejam mostrar a sociedade como se protegem na atual pandemia. E, no outro grupo, o processo é amplamente inverso. Neste os homens veementemente recusam o uso de qualquer coisa que possa colocar em dúvida sua própria masculinidade. Onde, neste caso em particular, entram as máscaras. Para eles, não usá-las e enfrentar a pandemia como ‘homem’ os coloca em posição privilegiada. Como é o caso de figuras políticas como Donald J. Trump, presidente dos Estados Unidos e Jair Messias Bolsonaro, presidente do Brasil, que desde o início da pandemia tem desobedecido as normas de seus respectivos Ministérios da Saúde, de forma a mostrar a todos os homens que é assim que um ‘macho’ enfrenta o vírus.

Não obstante, Cynthia continua a discussão criticando a dinâmica de homens que assobiam ou chamam as mulheres nas ruas. Ela explica que, na grande maioria, eles nunca o fazem quando estão sós, mas sempre acompanhados de outros homens. Enloe entende que esse processo nunca é realizado para chamar a atenção daquela mulher, mas para o ‘cara’ reafirmar sua própria heterossexualidade na frente de seus parceiros. De forma que sua masculinidade frente à eles não seja posta em cheque. Isso é algo que Cynthia chama de “boys policing boys”, ou simplesmente garotos vigiando a outros garotos. Na sua maneira de falar, agir, vestir. É interessante avaliar como o comportamento dos homens quando estão em companhia de outros homens muda. É como se o mesmo fosse validado ao ser visto pelos demais. Ou como “hey, sou tão homem quanto vocês, me deixem ser parte desse grupo”, explica Enloe.

Enloe expõe os mecanismos que são normativizados nas próprias famílias. Onde pais ensinam seus filhos a ser verdadeiros homens na sociedade e mães ensinam suas filhas a ser mulheres corretas. Se você é menina, vista-se e haja como tal. De mesmo modo aos garotos, jamais aja como mulher. Essa dinâmica pode ser analisada atualmente na fala da Ministra Damares, onde a mesma disse que “menino veste azul, menina veste rosa”. Esse binarismo imposto pelo modelo patriarcalista cria uma sociedade que vigia e pune aqueles que saem do padrão predisposto (Foucault, 1975).

Assista à palestra da Professora Cynthia Enloe (legendada):




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ENLOE, Cynthia. Bananas, beaches and bases: making feminist sense of international politics. Women’s Labor Is Never Cheap: Gendering Global Blue Jeans and Bankers. 2. ed. Berkeley: University of California Press, 2014.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 1975.

GALLAGHER, Hellen. Feminist Theorist Thursdays: Cynthia Enloe. FEM Magazinne, 2017. Disponível em: <https://femmagazine.com/feminist-theorist-thursdays-cynthia-enloe/>

WEBER, Cynthia. Queer International Relations. 2016.

2 comentários:

  1. Nós LGBTI, antes de sermos compreendidos como seres providos de personalidade e individualidades, somos primeiro apontados como sendo ‘não hétero’ ou ‘não cis’. As cores de nossas bandeiras ainda incomodam muitos. Para a sociedade, nossas identidades se iniciam em classificações. Queremos ser vistos como pessoas, e não como categorias.

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  2. Não existe profissão de viado. O que existe são héteros que abandonam seus sonhos para proteger sua masculinidade frágil, e gays corajosos que não abandonam os seus por conta da opinião alheia.

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